sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

O Vídeo de Benny


Benny's Video, 1992
Dirigido por Michael Haneke, com Arno Frisch, Ulrich Mühe, Angela Winkler e Ingrid Stassner.

Palavras chave: violência, adolescência, sadismo



"_ Queria te perguntar uma coisa...
_ Sim?
_ Por que... fez isso?
_ O quê? Não sei... Queria ver como era... acho."

A câmera de mão amadora caminha atrás de dois homens que arrastam um grande porco. Mais à frente, percebemos que é uma espécie de fazenda e logo temos a cruel idéia do que pode vir a acontecer. Com uma arma de ar comprimido carregada com munição de chumbo, um dos homens pressiona-a e dispara contra a cabeça do porco. O porco se debate morrendo aos poucos. A cena volta, a cena é repetida, dessa vez, em câmera lenta...

Com essa abertura chocante e forte, temos a idéia do que está por vir, da proposta do diretor. Michael Haneke é conhecido por abordar em seus filmes, o tema “violência”. Dos mais diversos pontos de vista e forma, ele consegue estabelecer com seu cinema sua visão crítica do mundo, em diferentes épocas, como é presente em sua filmografia. Talentosamente, Haneke dirige-os de forma como poucos conseguem, evitando a banalização e apoiando o cinema artístico como modo de reflexão e um modo de “chocar” ou alertar a platéia com uma realidade que muitos procuram se distanciar, mas muitas vezes pode estar bem perto, bem ao lado. Não há como fugir da violência e o melhor modo é lidar com ela é entendendo-a, entendendo suas origens e formas de se manifestar e, Haneke dedica toda sua carreira a esta causa.


“Benny’s Vídeo”, não menos atual que quanto foi lançado, em 1992, estuda a mentalidade juvenil alienada pela mídia violenta e que se fortalece com a violência, que usa da violência como meio de entreter o público e não criticá-lo ou estabelecer uma reflexão inteligente. A banalização da violência, presente em todos os cantos, desde, claro, uma locadora com filmes à mais fácil de alcançar, uma televisão, um canal aberto que dispõe de todo o seu tempo para relatar a violência e, com uma sobrecarga tamanha que deixa de ser algo que alerte o público, passando a ser algo que aliene e perturbe, não dando escolha ao espectador, vendo-se então preso em uma jaula doente. A violência na mídia é algo delicado de se lidar, pois, distanciar-se completamente do conhecimento dela se torna uma ignorância da sua parte, ao mesmo tempo em que se distancia da realidade do mundo e passa a perder o conhecimento do meio onde vive, de seu país e do mundo.

Benny é um jovem, o mesmo que gravara o vídeo do abatimento do porco e o mesmo que revia o filme em câmera lenta, o momento crucial do abatimento. Ele aparenta ser alguém normal, vai à escola, tem amigos, uma família. Mas guarda dentro de si algo extremamente perigoso que é alimentado cada vez mais. Em seu quarto, tem equipamentos de vídeo, como câmeras e televisões. Na televisão ele assiste aos noticiários e aos filmes que aluga numa locadora. Benny tem tudo o que quer e precisa, conquistou uma independência tamanha prematura e pouco liga para os outros, sempre com uma expressão de indiferença perante a tudo. Aluga frequentemente filmes com teor violento e não é impedido nunca. As janelas de seu quarto vivem fechadas. A mãe de Benny demonstra fraqueza e impotência, incapacidade de lidar com o filho, enquanto o pai é insuficientemente mais rígido, não dialoga e sempre tem uma expressão de preocupação ao mesmo tempo em que também parece incapaz de lidar com o filho jovem.

Sempre que vai à locadora, Benny vê uma garota do lado de fora da loja assistindo aos filmes que são exibidos em uma televisão atrás do vidro, do lado de dentro da loja, sem escutar nada. Num desses dias comuns, sem nada de relevante, Benny resolve falar com ela e acaba por convidá-la para ir à seu apartamento visando seus pais estarem fora e não voltarem à noite. Chegando lá, ele conversa com ela, desenvolve conversas, mas sempre com um ar de superioridade e curiosidade perante a garota, esta que aparenta ser pobre de acordo com as informações que ela passa a ele. A menina se surpreende com tudo na casa, a condição de vida do jovem de classe média alta, a independência do mesmo, a capacidade de ter tudo o que quer na hora que quer e de ter tudo o que precisa e o que não precisa. Benny, desde o início, se mostra com um ar misterioso e malvado, sádico, porém curioso, mas controlado. A menina tem certa expressão reprimida pela dele e por estar em um lugar desconhecido.

Não demora e ele passa a conversar sobre os filmes que ela tem vontade de assistir e os que ela assiste pelo outro lado da vitrine na locadora. Benny então a convida para assistir o filme caseiro sobre o abatimento do porco na fazenda. Ele mostra então a arma que abateu o porco a ela, ele a ganhara devido a uma aposta feita. Ele dá a arma a ela e pede para que ela atire nele. Ela não atira com medo. Ele a chama de covarde e aponta para ela a arma. Ele não dispara. Ela o chama de covarde como uma forma de retribuição ao insulto feito a ela anteriormente. Ele atira. Acompanhamos essa seqüência e a seguinte pela tela da televisão conectada a uma câmera em seu quarto. O vídeo não foca na violência não mostrando a execução, mas somos obrigados a ouvir o acontecimento, se tornando então uma experiência mais chocante que a violência explícita. Ora, Haneke quer criticar a violência e a mídia, ele não vai fazer parte dela. É frio e revoltante. Depois disso, vemos Benny tranqüilo, agindo como se nada tivesse acontecido, tomando um iogurte, fazendo as lições de casa e por fim, doentiamente, despir-se e esfregar o sangue da garota morta em seu corpo enquanto se filma. Em seguida, ele recebe um telefonema de seu colega e vai para a casa deste para dormir.

O que vemos a partir desse ponto é que Benny tem momentos de arrependimento e de indiferença. Principalmente indiferença, quase nunca o percebemos pensando sobre o que fizera, ao mesmo tempo em que não percebemos isso, mas algumas vezes sabemos que ele reflete sobre sua atitude, porém não demonstra sentimentos de culpa ou arrependimento. Podemos então observar, podemos analisá-lo. Será que ele é realmente tão frio assim ou ele quer ser tão frio, não quer demonstrar sentimento pelo próximo? Poucas vezes temos essa sensação de que ele está arrependido, mas que reprime esse sentimento. Pode ser que não seja esse o ponto, e é bem provável que não seja. Talvez nós queiramos achar que ele esteja arrependido de alguma forma que somos levados a acreditar nessa autorepreensão.

Haneke consegue com esse filme nos chocar, não apenas com a frieza do jovem Benny, mas com a incapacidade dos pais em lidarem com o filho, de educarem-no. Mimam-no de todas as formas, criam-no para ser independente, não participam da vida pessoal do filho, mas tem a consciência de que deveriam, de que estão errando e nada fazem ou pouco fazem para se corrigir. O filme se desenrola com o foco no jovem e nas atitudes de seus pais quanto à situação. Culminam numa seqüência final genial e chocante, que com certeza nos abalará e concretizará a nossa dúvida sobre os sentimentos de Benny.

Arno Frish, o jovem ator do filme, demonstra extrema maturidade para atuar em um filme tão maduro, exibindo até mesmo o nu completo, e, anos mais tarde, se tornando um dos astros do filme mais cultuado do diretor, “Violência Gratuita”. Haneke, nesse segundo longa metragem de sua carreira, consegue firmar-se como um dos diretores mais importantes da atualidade, vindo a preencher sua grandiosa carreira com filmes incrivelmente bem feitos e críticos, como o recente “A Fita Branca”. Não só recomendado, mas obrigatório.





Avaliação: 9,5/10

Por Pedro Ruback

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