quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Fome de Viver

The Hunger, 1983
Dirigido por Tony Scott, com David Bowie, Catherine Deneuve e Susan Sarandon.


Palavras-chave: metáfora, vida, morte


“_ You said forever. Never-ending. Do you remember?
_ Every day.
_ Forever, you said. Forever and ever... Never growing oId. Do you remember?”



Ao som de “Bela Lugosi is Dead”, tem início uma das obras fundamentais para o cinema de horror filosófico e subcultura gótica e também uma das mais impressionantes e originais histórias sobre vampiros já feitas, com um sentimentalismo e personagens conflituosos e dramáticos, sinceros, interpretando dilemas humanos comuns e complexos. Aqui, o vampirismo metafora com a velhice, o envelhecimento e o desejo da juventude eterna. Não mais óbvio do que parece, hoje o vampirismo é visto como algo estético, sem profundidade, tão banalizado e nunca filosofado como o “correto”. Ultimamente vemos a destruição de tal (com raras exceções). O que nos resta é recorrer a uma experiência mais ampla em conteúdo e mais inteligente, que, porém, esta, não está na mídia, pois não quer estar na mídia e não tem necessidade disso, por mais que seja urgente. “The Hunger” permanece e permanecerá por muito tempo no subsolo e será cultivado somente por aqueles que realmente tem consciência da profundidade do tema.

O filme é grandiosamente iniciado num show da banda Bauhaus, uma das bandas consideradas percussoras e fundadoras da incompreendida subcultura nomeada gótica, ao som da já dita música “Bela Lugosi is Dead”, misturando imagens da banda e os personagens a se envolverem com o público que dança a densa música. Com uma fotografia escura na maior parte, o filme consegue sobrepor os clichês do gênero horror, sendo aqui um suspense, romance e, principalmente, drama, um drama entre um casal de vampiros e uma doutora, pesquisadora que procura a “cura” para o envelhecimento enquanto estuda sobre uma doença rara onde um ser envelhece estranhamente rápido podendo morrer em pouco tempo. Inexplicavelmente (não há necessidade de explicações, muito menos nesse filme), o vampiro homem, John, vivido maravilhosamente pelo músico David Bowie, começa a envelhecer, provavelmente com a mesma doença da qual a pesquisadora de nome Sarah, interpretada por Susan Sarandon, é especializada. John então, decide se expor e procurar Sarah em busca de uma resposta para tal desordem em sua saúde ao mesmo tempo em que se questiona o que há de errado e quem realmente é sua amada, a vampira que o transformou, Mirian (Catherine Deneuve).

Nesse filme, o termo “vampiro” não é dito sequer uma vez, o que reforça a metáfora sobre o envelhecimento. O diretor Tony Scott e os roteiristas James Costigan, Ivan Davis e Michael Thomas conseguem trazer o mesmo dilema para a atualidade magistralmente, não só lidando com o envelhecimento, mas com a vontade e desejo do ser humano em conquistar a juventude. O filme se passa numa época onde os avanços tecnológicos começavam a dar resultado, havia desejo pelo mais novo e pela preservação e mudanças estéticas do corpo, uma ambientação perfeita para o filme.

Com uma fotografia melancólica e escura, “The Hunger” consegue ser cativante. Elementos simples e sinceros compõem a atmosfera e a maturidade das personagens. O casal de vampiros é músico, John, excelente violoncelista e Mirian, exímia pianista. Eles dão aulas de violino a uma jovem menina que vive numa casa próxima e que mantém uma sincera e compreendida amizade com ambos. John é alguém fechado, misterioso, que soa melancólico e triste, mas que aparenta ser inteligentíssimo e esperto, calculista. Mirian é mais sociável e aberta.

Uma das cenas mais bem elaboradas e marcantes do filme é o diálogo entre John e Mirian, num quarto escuro, azulado onde ele a interroga, já idoso e quase morrendo, sobre a promessa de Mirian feita há muito tempo no passado, antes de ela o transformar em vampiro, dá-lhe a vida eterna. Desde a parte sentimental quanto à técnica é perfeito. O salão de música com os instrumentos, a iluminação precária, azuladas, a suavidade dos movimentos dos personagens e o diálogo pesado e questionamentos diretos e consecutivos de John contra Mirian que se vê mais uma vez em um conflito pela qual sofre durante toda sua existência. Quando ele pede para que ela o beije como ela fazia antes, quando ele aparentava ser mais jovem, é um dos momentos mais emocionantes e puros, cheio de significado e bem trabalhado.

Mesmo que o final do filme caia um pouco, com um desfecho mais “comercial”, digamos assim, mas não menos inteligente e envolvente, “The Hunger” é um dos filmes que figuram na lista dos reais filmes sobre vampiros, onde pode-se encontrar também: “Nosferatu”, tanto o filme de 1922 quanto o de 1979, este último excelentemente dirigido por Werner Herzog; “Entrevista com o Vampiro”, filme adaptação do livro homônimo de Anne Rice; o mais recente e não menos importante “Deixa Ela Entrar”, um romance entre um pré-adolescente e uma vampira, porém, fugindo do comercial e banalizado de hoje em dia, mais maduro; e, por último, um filme que filosofa também com a imagem do vampiro, este, utilizando o vampirismo como metáfora do vício, “Os Viciosos”, grandioso filme de Abel Ferrara.

Curiosidade:
O símbolo egípcio, Ankh, que simboliza a vida eterna ou a vida após a morte, foi então “popularizado” nesse filme, onde, logo na seqüência de abertura, o casal John e Mirian utilizam desses artefatos como armas para sugar o sangue de suas vítimas, e, mais tarde, tem-se a explicação de seu significado. A proliferação do uso aconteceu e é um símbolo reconhecido, mesmo que de diversas formas e por diversos grupos de pessoas, mas seu significado, por fim, não teve uma alteração grande para cada cultura. Genialmente usado aqui, o símbolo agora é a expressão do mito vampiro. Foi mencionado brevemente também no livro de Anne Rice, “O Vampiro Lestat”, onde os primeiros e mais evoluídos vampiros se adornam com esses símbolos variados da mitologia egípcia.

“_ Forever young.
_ Stop it.
_ A kiss. Kiss me. Think of me like I was. Kiss me like that. Mirian…
_ I can’t.
_ Give me a little longer.
_ I can’t.
_ Then kill me. Release me.
_ I can’t.”





Avaliação: 9/10

Por Pedro Ruback

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