segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Cisne Negro

Black Swan, 2010.
Dirigido por Darren Aronofsky, com Natalie Portman, Mila Kunis, Vincent Cassel e Bárbara Hershey.

Palavras-chave: obsessão




"Black Swan" nada mais é do que a exploração dos profundos abismos da loucura obsessiva pela perfeição. Desde que temos contato com o filme de Darren Aronofsky, seja por conhecimento de seu diretor que explora até a última gota os seus personagens em conflitos humanos profundos em todos os seus filmes, com um teor realista que gera angústia, medo, tensão e pavor, seja pelas primeiras cenas do filme, ou até mesmo sua sinopse, sabemos o que esperar. Talvez um terror psicológico mais relevante para a atualidade, que está cheia desses filmes e que, de tanto serem afetados (na parte da direção), se tornam básicos filme de terror. Ou talvez um drama. Mas pensar em drama nos remete a conflitos, sem certo “movimento”, mais relacionado ao drama pessoal da personagem principal. Mas não encontramos um gênero definido, o que é excelente. Encontramos a mistura do terror psicológico com o drama, gerando um filme tenso e movimentado, frenético na maioria das vezes.

O filme “ousado” de Aronofsky ganhou conhecimento desde que foi anunciado, isso já é de se esperar vindo dele, mas ganhou força sendo um sucesso no Festival de Veneza, no ano passado. Para concretizar seu tamanho, “Black Swan” foi para o Globo de Ouro onde, das indicações que envolviam Melhor Filme e Melhor Direção, ganhou o de Melhor Atriz para Natalie Portman. Concretiza-se aqui, pois o Globo de Ouro é uma prévia do Oscar, só que menor e menos relevante, melhor para as séries televisivas. A “ousadia” a qual o público chama é na verdade este filme estar concorrendo ao Oscar de Melhor Filme e Melhor Diretor depois da imagem, ao ser assistido, de ser uma espécie de filme “anti-Oscar”, pelo conteúdo diferente, assim como aconteceu com o espetacular “Antichrist” (mas, no caso, “Black Swan” é bem mais leve em todos os sentidos) e até mesmo “Requiem for a Dream”, filme do mesmo diretor.

“Black Swan” conta a história de Nina (Natalie Portman), que vive para treinar balé e está participando de uma seleção para protagonizar uma peça, “Lago dos Cisnes”, só que numa versão mais sombria e própria de um diretor artístico chamado Thomas Leroy (Vincent Cassel), onde o cisne branco se apaixona e seu amante se apaixona por um cisne negro, então ela se suicida encontrando em fim a liberdade de sua angústia amorosa. É um papel máximo no balé e ela se dedica e é incentivada por sua mãe, Erica Sayers (Barbara Hershey), uma antiga bailarina que sonhava em desempenhar o papel da Cisne Rainha na peça, papel em que consiste na mesma bailaria interpretar tanto o cisne branco quanto o cisne negro. Nina tem sua vida inteiramente focada na dança e ainda tem as pressões de sua mãe (fracassada no meio), deixando de viver, como se relacionar com outras pessoas, sendo superprotegida pela mãe como se fosse uma pré-adolescente. Nina tem talento em desempenhar o papel triste e melancólico do cisne branco, mas não consegue ousadia para desempenhar o do cisne negro, o que desagrada Thomas. Depois de um “teste” de Thomas, ele, para a surpresa completa de Nina, a escolhe para o papel do cisne rainha.

Apesar de seu talento, as pressões próprias e vindas de Thomas caem sobre ela, a reprimindo psicologicamente e aguçando a obsessão de chegar à perfeição, mas é impedida pela sua timidez e pouca experiência de vida, o que a leva a não conseguir desempenhar com ousadia necessária o papel do cisne negro. Daí parte então, carregado de um clima pesado, o desafio e o desenvolvimento da loucura da personagem principal à procura da perfeição e de uma forma para que possa desempenhar o tão difícil papel. Ela passa a invejar uma outra amiga dançarina, Lily (Mila Kunis), que desempenha o papel do cisne negro com grande talento, por levar uma vida alegre e ousada, mas que é apenas mediana no papel do cisne branco, que requer emoção e fragilidade e que pode substituí-la na peça.

Os personagens aqui são complexos e interessantes: Nina é uma pessoa dependente, insegura, fragilíssima, pouco desenvolvida na vida social, que busca a perfeição pela extrema dedicação à profissão e que não dá espaço para viver. A mãe de Nina, Erica, é uma pessoa infeliz que projeta seu sonho de vida em sua filha treinando-a e incentivando-a a chegar onde ela nunca conseguiu, mas, ao mesmo tempo, como é mostrado quando Nina interage com a mãe depois de ser escolhida para o papel, inveja sua filha e sente raiva por ela ser melhor que si. Thomas é uma pessoa detalhista, claro, mas é muito inteligente e usa de sua esperteza e táticas fora do comum para avaliar o desempenho dos bailarinos (as) de sua peça. Lily, como já dito, é o oposto de Nina, leva a vida como um jovem da massa leva, curtindo-a sempre e da melhor forma possível.
O filme, além desse atrativo de personagens complexos e envolventes, ganha mais força ainda por ter uma aura de desespero, loucura e aparente surrealismo. A princípio, quando nos é apresentado as formas da loucura de Nina, percebemos que o diretor se perdeu e procurou fazer um filme mais “popular”, mais comercial que seus outros. É uma pena, pois isso, de certa forma, estraga a experiência que poderia ser perfeita, pois há um enredo firme e seguro. Há algumas tentativas de assustar com aparições, mas a única coisa que alcançou foram momentos negativos para o filme.

Dentre as manifestações de sua loucura, vemos uma ferida nas suas costas sangrar sempre, suas unhas sangram e crescem rapidamente, seus olhos ficam vermelhos, entre outras coisas, como ver-se em outras pessoas. Mas, mesmo que soem gratuitas, tudo culmina num final frenético e que cobre todas as falhas anteriores, é perfeitamente executado. Portman também é explorada ao máximo e merece a indicação ao Oscar. Suas expressões, principalmente de sofrimento e angústia são sustentadas ao máximo e, na parte final, momento em que é necessário expressões das mais diversas, ela se sai perfeita.

A direção do filme merece completa atenção. Aronofsky “evolui” as técnicas apresentadas em seus filmes anteriores. A câmera agora acompanha o personagem, corre com ele, gira em volta da bailarina em sua dança. Há boas técnicas, como o foco no rosto de Thomas que observa Nina a dançar, enquanto, atrás dele há uma parede de espelhos, mas a câmera não está lá. Os mais atentos se interrogarão por alguns momentos em busca de uma explicação para como a cena foi feita. É curioso saber que a discussão sobre o projeto desse filme parte desde 2000, quando Aronofsky conversava com Portman sobre sua vontade de realizar um filme sobre balé. Para este filme, Portman emagreceu cerca de vinte quilos, treinou durante seis meses antes das filmagens para conseguir um corpo parecido com a de uma profissional da área que dedica toda sua vida para isso. Ela também teve uma dublê de corpo, seu nome é Kimberly Prosa, mas a maioria das cenas foi a própria Portman que executou. A trilha sonora mais uma vez ficou por conta de Clint Mansell, já costumeiro parceiro de Aronofsky em seus filmes.

“Black Swan” deixa a impressão de que poderia ser um filme muito mais grandioso (mais do que já é) se deixasse certos elementos, como já citados, como aparições com o intuito de dar susto e gerar alguma tensão no espectador, como se Aronofsky precisasse de sustos baratos para que isso aconteça (vide “Requiem for a Dream”). “Black Swan” é um exemplo de filme que consegue superar suas falhas com um brilhante desfecho e, principalmente, é um exemplo de cinema maduro e inteligente, com personagens humanos.

Para nós, desfavorecidos brasileiros, temos de esperar até fevereiro para poder curtir dignamente o filme nas telonas. Claro que isso não passa de uma tática de comércio, ainda mais quando o filme está concorrendo ao Oscar.





Avaliação: 8/10
Por Pedro Ruback

Nenhum comentário:

Postar um comentário