domingo, 6 de março de 2011

Chelsea Girls

Chelsea Girls, 1966.
Dirigido por Andy Warhol e Paul Morrissey, com Brigid Berlin, Randy Borscheidt, Christian Aaron Boulogne, Ondine, Nico, Mario Montez, Dorothy Dean e Marie Menken.

Palavras-chave: filme experimental, juventude



"Chelsea Girls" é um reflexo de uma juventude em formação, a rebeldia e a forma de expressão. Andy Warhol e Paul Morrissey exploram de forma única e completamente fora dos padrões o cinema como forma de comunicação mais do que representativa. O jovem dos anos 60/70 e sua explosão de liberdade de expressão, sexual, opiniões religiosas revoltadas contra a repressão e a idealização demente manipuladora da época. Ao mesmo tempo em que procura retratar o jovem na mais completa liberdade de expressão, propõe uma crítica contra o controle do mundo padrão, desde o jovem afetado até o jovem tentando se estabelecer na nova forma de expressividade dos outros jovens. Não procura de forma alguma retratar as dificuldades dos pais, muito menos mostrar um contexto detalhado da época, apenas lança trechos de cerca de meia hora da vida de pessoas em situações cotidianas e libertinas, sem função moral.

A homossexualidade surgindo como forma de expressão, como quando o personagem de Ondine, ou ele mesmo, pois todos fazem papéis com os próprios nomes e de formas tão naturais soando como uma entrevista (mesmo não sendo), diz “sou homossexual por opção”. Algumas das principais situações do filme envolve esse tema como quase que base de todo o filme. Em certa parte, duas mulheres se tratam por nomes e artigos masculinos enquanto uma é extremamente controladora e repressora e a outra extremamente frágil. Ambas parecem, em tons sádicos, “aprisionar” uma outra mulher que está no chão do quarto.

“Chelsea Girls” possui um estilo de cinema único. Há duas telas, as duas passam situações diferentes ao mesmo tempo, sendo que uma das cenas há som e a outra nenhum, só imagens. Há momentos em que o filme parece defeituoso, como quando o som fica muito baixo e quando não existe som e as duas telas ficam em completo silêncio. Em alguns momentos a tela também some, ou sobe, ou então tem cortes centrais como se o filme estivesse danificado. O filme é preto e branco e colorido, às vezes divide a tela com um de cada forma e outras vezes são da mesma forma, tudo num jogo de tomadas contínuas, o que é interessante, pois não há cortes, são cerca de meia hora cada situação sem nenhum tipo de corte ou mudança de ângulo. A câmera parece manipulada por alguém inexperiente que usa e abusa do zoom exageradamente, às vezes tentando acompanhar o movimento dos atores, outras vezes perdendo completamente o foco e se perdendo, literalmente. Tudo muito aparentemente amador, sem nenhum compromisso com o padrão do cinema. É considerado um dos materiais mais completos do cinema underground.

O filme é dividido em espécies de capítulos apresentando situações diversas, como uma mulher gorda conversando com outra mulher sobre nada e depois atendendo um telefone. Um homem que se diz padre e atende uma jovem que quer se confessar, mas que logo desconfia de sua personalidade. Um homem que não sabe sobre o que falar e fala sobre coisas desconexas que levam a outros assuntos aparentemente sem fundamento, como o suor ter o mesmo gosto de uma maçã com sal e o sentimento de liberdade ao ficar nu. Há também uma espécie de orgia sem sexo onde um jovem parece forçado a se despir numa cama com outros dois homens e duas mulheres. Uma mulher que está sentada numa cama enquanto numa outra cama uma mulher gorda conversa e parece zangar com um outro jovem.
Ao mesmo tempo em que revolucionário, o filme pode desagradar por não ter o ar de filme. Há momentos em que o ator conversa com o diretor do filme e há momentos em que o ator não quer mais estar lá, dizem algo como “eu não agüento mais, quero ir para casa me masturbar, sei lá, fazer algo legal”, como se não estivesse satisfeito com o que está fazendo. Não há conectividade aparente entre as situações. Em algumas delas, os atores se repetem, mas parecem ter outro contexto. As únicas situações que parecem continuar é a de Odine, o papa falso, que fecha o filme talvez com a parte mais forte e interessante, ao lado da imagem de uma das atrizes chorando.

Com a idéia e o contexto histórico do filme, o filme conseguiu um status de cult underground e costuma a ser exibido em festivais e, curiosamente, em amostras de museus, muitas vezes em exposições de Andy Warhol, que também é um artista plástico que fez o clássico rosto de Marilyn Monroe em cores vibrantes.

Originalmente o filme teria cerca de seis horas, mas os diretores resolveram exibir o filme em duas partes dividindo a tela, idéia que foi genial e talvez o filme fosse, hoje, menos reconhecido. De qualquer forma, “Chelsea Girls” foi, de certo modo, revolucionário para o cinema, como todos os filmes originais e ousados dessa época, mesmo fugindo dos padrões e não tendo o devido reconhecimento da mídia. Realmente, é um filme quase anti-comercial, é uma espécie de filme experimental muito bem executado e de forma única.

O que pode e gera desaprovação no meio do cinema são suas longas e despreocupadas tomadas, muitas vezes carregadas de certo vazio e assuntos mal compreendidos ou realmente desnecessários, tomando muito tempo apenas mostrando imagens e situações aparentemente sem propósito. (pessoalmente, o filme funcionou perfeitamente comigo, apesar de, na primeira hora de filme eu não ter entrado na proposta, mas basta apenas expandir os horizontes). Um filme obrigatório para os fãs da cultura Underground.





Avaliação: 9/10
Por Pedro Ruback

quinta-feira, 3 de março de 2011

Aftermath

Aftermath, 1994.
Dirigido por Nacho Cerdà, com Xevi Collellmir, Jordi Tarrida e Ángel Tarris.

Palavras-chave: necrofilia, morte


Cerdà apresentou-se ao cinema como um cineasta polêmico. Mesmo tendo começado com seu curta “The Wakening”, ficou reconhecido por essa doentia e filosófica obra chamada “Aftermath”. O que podemos esperar de um média metragem de horror? Gratuidade? Bom, nesse caso não. Mesmo com sua curta duração de um pouco mais de meia hora, Cerdà consegue manipular a mente do espectador fazendo-o de cúmplice de uma simples reflexão sobre a vida e a morte. O filme é uma dança macabra onde o ser vivo não encontra barreiras na morte para seu prazer. Não se trata de um psicopata ou algo do tipo, mas do desejo sexual de um legista sobre corpos mortos e mutilados.


Dois legistas trabalham em um necrotério, eles retiram os órgãos das pessoas mortas, provavelmente para transplantes, pois não há um estudo ou uma perícia sobre o cadáver. Os cadáveres são visivelmente vítimas de acidentes ou assassinatos, um deles tem uma das pernas quase decepada, com um ponto na canela esmagado que sustenta o pé. Um desses legistas trabalha como se fosse apenas mais um dia enquanto o outro parece não levar aquele dia como um "simples" dia. Seu olhar alerta algo de errado e pode significar coisas monstruosas. O outro legista termina seu trabalho e vai embora enquanto o outro permanece com o corpo. A partir daqui, começamos nosso espetáculo repulsivo e mórbido. O homem se masturba para o corpo aberto sobre a mesa e, em seguida, traz um corpo de uma mulher. Inchado e naturalmente feio, ele abre seu dorso e, como se não fosse o bastante para satisfazer seu psicológico doente, ele tem relações sexuais com o cadáver.

Ainda que assustador contado apenas desta forma, temos uma contemplação de todas as cenas, closes em momentos viscerais e longas tomadas detalhadas. Não há censura – por mais que a masturbação não tenha sido explícita – nem mesmo uma preocupação com isso. É literalmente uma dança entre a morte e a vida, uma perfeita e indiscriminada fusão entre os dois, um equilíbrio. As tomadas contemplativas funcionam para dar beleza à morte, dar um sentido que não só a brutalidade que levou aquelas pessoas à morte. (antes que as pessoas critiquem o realismo do filme sobre os corpos, quando uma pessoa morre ela endurece e parece realmente um boneco). Junte a isso Mozart como trilha sonora.

Não há sequer um diálogo no filme, reforçando a idéia de reflexão. “Aftermath” faz parte de uma trilogia: o nascimento, representado por “The Wakening” (1990), a morte, representada por “Aftermath” e o renascimento, representado por “Genesis” (1998). O filme também foi o grande vencedor do prêmio de Melhor Curta Metragem no Fant-Asia Film Festival, se tornou instantaneamente um clássico cult do gore, sendo lembrado pelos mais diversos festivais relacionados ao tema e se destacando por não ser apenas um filme sobre necrofilia gratuita para se ver corpos sendo abertos e muito sangue, mas por ser um dos raros momentos reflexivos que mistura o gore e o fantástico.
Aftermath é um filme que consegue te deixar incomodado quando termina, fica-se no ar uma dúvida se "gostei ou não gostei" estranha. Mas, basta digerí-lo para saber qual dos dois lados você vai ficar.





Avaliação: 8/10

Por Pedro Ruback

Enter the Void

Enter the Void, 2009.
Dirigido por Gaspar Noé, com Nathaniel Brown, Paz de la Huerta, Cyril Roy, Olly Alexander, Masato Tanno e Ed Spear.

Palavras-chave: drogas, morte, prostituição



Noé despirocou de vez. “Enter the Void” soa como um filme feito para o próprio diretor, cultuando e reutilizando as técnicas já usadas em “Irréversible”. Pelo visto diretor adorou seu estilo único e aqui fez um filme somente com este estilo. Para quem não conhece, em “Irréversible” (filme obrigatório), Noé trabalha com a câmera de forma única e original. É puramente nauseante, os momentos iniciais são de fazer passar mal e é aí que se encontra o atrativo do filme, mistura orgias homossexuais, um clima psicodélico e uma atmosfera pesadíssima com a câmera louca e cria-se um filme sensitivamente perturbador. A câmera gira, baila e dá cambalhotas, não foca em nada e, misturado com uma iluminação precária de boates, colorido e escuro, torna tudo estranho e realista, como quando sonhamos querer estar acordados, mas estamos com sono, então fechamos e abrimos os olhos com dificuldades, ou então a câmera está sob efeito de drogas pesadas e delirantes que lhe tira da realidade e lhe domina por completo tirando o controle de sua mente sobre seu corpo.


Aqui, em “Enter the Void”, Noé, nas primeiras meia hora de filme, ele reinventa o cinema. Vemos tudo da perspectiva do protagonista, de seus olhos (como Guy Ritchie fez certa vez num curta de futebol). A tela pisca de acordo com o piscar do personagem. Vemos suas mãos, vemo-o usar drogas e vemos o seu delírio pelos seus olhos. O teto se transformando em algo sem sentido, cores fortes e iluminadas, vivas num plano de fundo noturno, o esforço para não entrar novamente na “viagem” que a droga causa. Noé quer que sintamos a angústia e o “prazer” do personagem no momento de suas alucinações. O enredo se desenrola de forma única, pode até não ser, mas temos a sensação de a primeira meia hora de filme quase não ter cortes, mas, por causa do piscar do personagem ou sua introdução num fundo negro pode ser que haja cortes. Noé explora ao máximo e dá a sensação de um clima ininterrupto de delírio e observação.

Oscar (Nathaniel Brown) mora com sua irmã, Linda (Paz de la Huerta) em Tóquio. Oscar é traficante e usuário de drogas (apesar de não aceitar os fatos) e Linda é uma prostituta e striper em uma casa noturna. No início vemos os dois conversando e em seguida ela indo para o trabalho. Ele usa drogas e recebe o telefonema de um amigo para que leve para ele droga. Tentando se controlar pelo efeito alucinógeno, começa a se aprontar e, quando sai do apartamento encontra seu amigo, Alex (Cyril Roy), que queria ver sua irmã e aceita o convite de Oscar para irem até o encontro do cliente e em seguida seguirem para a boate. Os dois, durante o caminho, conversam sobre um livro que Alex emprestara sobre a morte e a vida após a morte. Nele, a pessoa morre e seu espírito se separa do corpo. O indivíduo vê sua vida passar pelos seus olhos e em fim morre. O espírito flutua e vaga pela cidade podendo ver tudo, porém, incapaz de interagir com os vivos. Por fim ele encontraria onde gostaria de reencarnar e reencarnaria num corpo novo. E é nisso que se baseia cerca de duas horas de filme.


Oscar e Alex chegam ao local combinado com o cliente, porém Alex resolve se manter longe do tráfico do amigo e fica do lado de fora esperando. Oscar entra no lugar e vê o tal cliente, seu amigo Bruno (Ed Spear). Ele está agitado e pede desculpas. Logo a polícia entra, Oscar corre para o banheiro e é baleado, morrendo então. Daí para frente, vemos todos os processos descritos no livro ocorrerem. Oscar vê sua vida passar aos seus olhos e vaga pela cidade observando tudo e todos, ou melhor, sua irmã e seus amigos e os envolvidos com sua morte.

Noé não poupa um segundo. Todo o filme, completamente é passado aos olhos de Oscar, em primeira pessoa. Depois de seu espírito solto do corpo, ele flutua pela Tóquio em longas tomadas, algumas rápidas, passando por diversos apartamentos, e presenciando o desenrolar e as conseqüências com cada um. Mas é impressionante como Noé consegue repetir a fórmula de “Irréversible”. O filme começa extremamente movimentado, de forma genial e envolvente, depois cai numa monotonia incrível, ainda que novo para o cinema, mas demasiadamente explorado. Só que, o que torna “Irréversible” um filme mais ágil é tudo ser otimamente explorado cerca de noventa minutos, ou seja, uma hora e meia, enquanto “Enter the Void” são grandes cento e sessenta minutos, ou seja, duas horas e quarenta.


De qualquer forma, a duração não estraga o que Noé propõe, talvez torne mais cansativo, mas é necessário. Como tudo é em tempo real e há a necessidade de um aprofundamento em relação ao desenvolvimento dos personagens e do protagonista, Noé não se preocupa com a duração extensa do filme, apenas mostra o que quer e o que deve ser mostrado. Descobrimos todos os detalhes da vida de Oscar e de Linda, desde o acidente que levou à morte violenta de seus pais presenciados por eles enquanto crianças, ao o que trouxe Linda, que estava separada de Oscar durante muito tempo, para Tóquio.

Vale ressaltar o que já é ressaltado por qualquer um que viu o filme: é muito colorido e vibrante. Tudo é colorido, tudo é vivo e estranhamente solitário. Desde os créditos iniciais (costumeiramente diferente nos filmes de Noé), onde não conseguimos ler quase nada, não sabemos quem são os atores, os patrocinadores, produtores e se bobeasse, nem o diretor. É uma explosão eletrônica e de cores, já dava para ter uma idéia, logo de início de como seria o filme em seu desenrolar. As cores piscam como uma caixa de som vibra, é como estar num show eletrônico.

Noé também é conhecido por seus filmes conterem um conteúdo sexual forte, de todas as formas, mas aqui ele apresentado de forma banal e real da indústria de prostituição que existe em qualquer grande cidade. O conformismo de Oscar ao ver sua irmã se expor e ao saber que ela transa com qualquer um (principalmente com o dono do local, Mario, interpretado pelo japonês Mesato Tanno) é de assustar. O mundo das drogas, a iniciação de um jovem “perdido”, o envolvimento com outras pessoas, a homossexualidade, etc., tudo é explorado aqui de forma bastante ampla e sem nenhum tipo de moralismo ou forma de censura. O que não vemos aqui é a extrema violência presente em seus filmes anteriores, mas vemos o sexo de uma forma menos impactante, mas mais denso, mais presente que nunca.

Noé passou que fez o filme que queria fazer, misturando os temas que mais mostrou gostar em sua carreira com as técnicas próprias, o estilo próprio, o visual “alterado” (uma Tóquio sob efeito de drogas, com certeza). É um filme de Noé para Noé, e de Noé para seus fãs. Com certeza não é um filme para todos. É nauseante, porém, é algo digerível.






Avaliação: 7/10

Por Pedro Ruback

The Boy

Toda pessoa plena tem ambições, projetos, objetivos. O objetivo desse menino em particular era tocar com os lábios cada centímetro quadrado de seu próprio corpo. Os braços até os ombros e a maior parte das pernas, abaixo dos joelhos, foram brincadeira de criança, mas depois dessas áreas de seu corpo a dificuldade aumentou com a abruptude de uma plataforma continental. O menino veio a entender que desafios inconcebíveis esperavam por ele. Ele estava com seis anos de idade.

Pouco há para se dizer sobre o ímpeto ou causa-motriz do objetivo do menino de tocar com os lábios cada centímetro quadrado de seu próprio corpo. Ele um dia tinha ficado preso em casa, com asma, uma manhã chuvosa e prolongada, aparentemente folheando um pouco do material promocional do pai. A asma era congênita. A área externa do pé, abaixo e em torno do maléolo lateral (o menininho pensava naquela época no maléolo lateral como ‘aquela bolinha esquisita’ no tornozelo) foi a primeira a requerer qualquer contorção mais séria. A estratégia, conforme ele a compreendia, era se dispor no piso acarpetado de seu quarto com a parte interna do joelho no chão e a perna e o pé em um ângulo tão próximo dos noventa graus em relação à coxa quanto ele podia, àquela altura, conseguir, então ele tinha de se inclinar lateralmente tanto quanto pudesse, curvando-se sobre o tornozelo torcido e a parte externa do pé, girando o pescoço para fora e para baixo e se esforçando, com os lábios plenamente estendidos na direção de uma seção da parte externa do pé que ele tinha marcado com um alvo de tinta solúvel, lutando para respirar contra a pressão dextrógira das costelas, esticando-se cada vez mais para o lado, em uma manhã bem cedo, até que sentiu um estalo choco na parte de cima das costas e então uma dor inominável em algum lugar entre a omoplata e a coluna. O menino não gritou mas meramente ficou sentado nessa postura torturada até que o fato de ele não aparecer para o café-da-manhã trouxe seu pai para o andar de cima, à porta do quarto. A dor e a conseqüente dispnéia deixaram o menino fora da escola por mais de um mês. Pode-se apenas imaginar o que um pai pôde pensar de uma lesão como essa em um menino de seis anos.

A quiroprática do pai, a Dra. Kathy, conseguiu aliviar a pior parcela do desconforto. Mais importante, foi a doutora Kathy que apresentou o menino aos conceitos de coluna-como-microcosmo e de higiene espinal e eco postural, incrementalismo e flexão. A doutora Kathy cheirava vagamente a funcho e parecia totalmente aberta e disponível e bondosa. O menino se deitava de bruços em uma mesa alta acolchoada e acomodava o queixo em um copinho. Ela manipulava a cabeça dele muito delicadamente mas de uma maneira que parecia fazer coisas acontecerem por toda a coluna do menino abaixo. As mãos dela eram fortes e macias, e quando apalpava as costas do menino ele sentia como se estivesse fazendo perguntas a ela e as respondendo todas ao mesmo tempo. Ela tinha cartazes nas paredes com vistas ampliadas da coluna humana e dos músculos e fáscias e feixes nervosos que cercavam a espinha e se ligavam a ela. Não havia qualquer pirulito à vista. Os exercícios específicos de alongamento que a doutora Kathy passou para o menino eram para o splenius capitis e longissimus cervicis e as profundas camadas de músculos e nervos que cercavam as vértebras T2 e T3 do menino, que eram o que ele tinha machucado. A doutora Kathy tinha óculos de leitura pendurados em um colar e uma blusa verde de abotoar que parecia ser feita inteiramente de pólen. Você podia ver que ela falava com todos da mesma maneira. Ela instruiu o menino a fazer os exercícios de alongamento todo dia e não deixar que o tédio ou uma redução da sintomologia evitassem que ele realizasse os exercícios reabilitativos de maneira aplicada. Ela disse que a meta a longo prazo não era o alívio do desconforto atual mas a saúde e a higiene neurológicas e uma integridade corporal que ele um dia agradeceria muito, muito mesmo. Para o pai do menino a doutora Kathy receitou um relaxante fitoterápico.

Quase todos os contorcionistas profissionais são na verdade simplesmente pessoas que nasceram com problemas congênitos de atrofia ou distrofia dos grandes recti ou com uma aguda flexão lordótica da coluna lombar, ou ambos. A maioria exibe o sinal de Chvostek ou outras formas de espasticidade ipsilateral. Há muito pouco esforço ou aplicação envolvidos na sua ‘arte’, portanto. Em 1932, estudiosos britânicos do misticismo tamiel documentaram uma pré-adolescente taiwanesa que era capaz de inserir pela boca e no esôfago ambos os braços até o ombro, uma perna até a virilha e a outra perna até logo acima da patela e que assim era capaz de rodopiar sem auxílio sobre o joelho oralmente protrusivo em velocidades superiores a 300 rpm. O fenômeno da suifagia, ou auto-engolimento, foi posteriormente identificado como uma forma rara de paica de inanição causada quase sempre por deficiências radicais de cádmio e/ou zinco.

As regiões internas das coxas do menininho até o entroncamento medial da virilha custaram meses só de preparação. Diariamente, horas consumidas de pernas cruzadas e em postura curvada, lenta e progressivamente alongando as longas fáscias verticais das costas e do pescoço, o spinalis thorasus e o levator scapulae, o iliocostalis lumborum até o sacro e os densos e intransigentes gracilis, pectineus e adductor longus da parte interna da coxa, que se fundem abaixo do triângulo de Scarpa e transmitem uma dor nauseante através do púbis sempre que se excede o limite de flexibilidade. Caso alguém a tivesse visto então, durante essas sessões de duas, três horas, colocando as solas dos pés juntas e puxando-os para dentro para treinar o pectineus, oscilando um pouco e então sustentando uma profunda inclinação com as pernas cruzadas para exercitar a grande e tensa camada de fáscias toraco-lombares que ligavam a sua pélvis à região dorsal, a criança teria parecido ou estar orando ou ser clinicamente autista, ou ambos. Quando os alvos interiores das coxas tinham sido atingidos e tocados com um ou com os dois lábios, as porções superiores da genitália foram simples e foram protrusivamente beijadas e deixadas para trás enquanto já se concebiam os planos para o ílio e a região externa das nádegas. Depois dessas realizações viriam as contorsões mais difíceis, que mais cobrariam do pescoço, necessárias para se atingir as regiões internas das nádegas, o períneo e a parte mais interna da virilha.

O lugar especial em que ele perseguia esse objetivo estranho mas agora recém amadurecido era seu quarto, que tinha um papel de parede com repetidos motivos de floresta. A janela do quarto de segundo andar se abria para uma vista da árvore do quintal. A luz do sol atravessava a árvore em ângulos e intensidades diferentes em diferentes momentos do dia e iluminava partes diferentes do menino que se detinha de pé, sentado, inclinado ou deitado no carpete do quarto se alongando e sustentando posições. O carpete do quarto era de um branco felpudo, com uma aparência polar que o pai não achava que combinasse bem com o esquema repetido das paredes, de tigre, zebra, leão, palmeira. Mas o pai guardava suas opiniões.

O aumento radical do alcance protrusivo dos lábios requer o exercício sistemático das fáscias maxilares, tais como o depressor septi, orbicular oris, depressor anguli oris, depressor labii inferioris e os grupos buccinator, circumoral e risorius. Há um envolvimento superficial de músculos zigomáticos. Práxis: prender barbante a um botão de pelo menos 1,5 cm de diâmetro emprestado da segunda melhor capa de chuva do pai; colocar o botão sobre os dentes frontais superiores e inferiores e cobrir com os lábios; puxar o barbante até sua extensão total em um ângulo de 90º com o plano do rosto e puxar pela ponta com força gradualmente maior, usando os lábios para resistir à força; manter por 20 segundos; repetir; repetir.

Às vezes o pai ficava sentado no chão diante da porta do quarto do menino, com as costas apoiadas na porta. Não é claro se o menino jamais chegou a ouvi-lo procurando escutar ruídos de movimentos dentro do quarto, embora a madeira da porta às vezes fizesse um ruído rangido quando o pai se encostava contra ela ou voltava a se levantar no corredor ou mudava de posição, sentado encostado contra a porta. O menino estava lá dentro se alongando e sustentando posições contorcidas por períodos de tempo extraordinariamente longos. O pai era um homem algo nervoso, com um comportamento apressado, irrequieto, que sempre lhe dava um ar de partida iminente. Tinha diversas atividades empreendedorísticas e estava quase sempre na corrida. O lugar que ele ocupava nos álbuns mentais da maioria das pessoas era provisório, cercado por algo como uma linha pontilhada, a imagem de alguém dizendo algo agradável por sobre o ombro ao se dirigir para a saída. A maioria dos clientes achava que o pai os deixava nervosos. Era ao telefone que ele funcionava melhor.

Aos oito anos de idade, o objetivo de longo prazo daquela criança estava começando a afetar seu desenvolvimento físico. Seus professores perceberam mudanças em sua postura e seu andar. O sorriso do menino, que a essa altura parecia constante por causa dos efeitos da hipertrofia circum-labial na musculatura circum-oral, também parecia incomum. Simultaneamente rígido e extra-amplo, e de certa forma, para usar a avaliação de uma professora de Estudos Sociais, ‘inadequado para a idade’. Fatos: o estigmatista italiano Padre Pio exibiu chagas desprovidas de sangue que lhe atravessam a mão esquerda e os dois pés, centralmente, durante toda a vida. A úmbria santa Verônica Giuliani apresentava chagas em uma das mãos, assim como em seu flanco, que se podia observar abrir, as chagas, e fechar conforme ela ordenasse. A beata do século XVIII Giovanna Solimani permitia que peregrinos inserissem chaves especiais nas chagas de suas mãos e as girassem, o que segundo os relatos facilitava a recuperação daqueles clientes de seu desespero racionalista. Segundo tanto são Boaventura quanto Tomás de Chilano, os estigmas manuais de são Francisco de Assis incluíam massas baculiformes do que parecia ser carne negra endurecida em extrusão a partir dos dois planos volares. Se e quando aplicava-se pressão a um dos assim ditos ‘cravos’ nas palmas das mãos, um pino de carne negra endurecida imediatamente se projetava das costas da mão bem exatamente como se um assim dito cravo real estivesse atravessando a mão. E no entanto, fato: as mãos não têm a massa anatômica necessária para sustentar o peso de um humano adulto. Tanto textos jurídicos romanos quanto o exame contemporâneo de esqueletos do século I confirmam que a crucifixão clássica exigia que os cravos fossem pregados através dos pulsos, não das mãos, da vítima, donde as ‘necessariamente simultâneas verdade e falsidade’ dos estigmas que o teólogo existencialista E. M. Cioran explica em seu Lacrimi si Sfinti, o mesmo trabalho em que se refere ao coração humano como ‘a chaga aberta de Deus.’

Áreas das seções medianas do menino, do umbigo ao processo xifóide na cesura de suas costelas, sozinhas, tomaram dezenove meses de exercícios posturais e de alongamento, alguns dos quais, os mais radicais, devem ter sido insanamente dolorosos. Nesse estágio, os avanços em flexibilidade eram agora sutis a ponto de serem detectáveis apenas com um registro diário extremamente acurado. Certo limites tênseis dos ligamentos da flava, da cápsula e do processo, do pescoço e da parte superior das costas, foram delicada mas persistentemente alongados, o queixo do menino postado na seção mediana do esterno e então deslizando gradualmente para baixo, 1, às vezes 1,5 mm por dia, e essa postura catatônica e/ou meditativa sendo sustentada por uma hora ou mais.

No verão, durante sua rotina do começo da manhã, a árvore diante da janela do menino se enchia de gralhas e fervilhava de gralhas que iam e vinham, então, na medida em que o sol se erguia, a árvore se enchia dos sons ríspidos, rascantes, dos pássaros, que enquanto o menino ficava sentado de pernas cruzadas com o queixo no peito soavam pelo vidro como parafusos enferrujados girando; algo complexamente emperrado que se liberava com um ganido. Além da árvore ficava a perspectiva dos telhados da vizinhança e o hidrante de incêndio e a placa de trânsito de um entroncamento em cruz e os sessenta e quatro telhados idênticos e de águas baixas de um conjunto suburbano depois da rua em cruz e, além do conjunto, bem no horizonte, a orla dos campos de milho verdejantes que começavam nos limites da cidade. No fim do verão o verde dos campos era mais amarelado e depois, no outono, havia apenas o triste restolho e no inverno a terra nua dos campos parecia com nada mais do que aquilo que realmente era.

Um místico bengali conhecido por seus seguidores como Prahran Sahta II passava por períodos de canto meditativo durante os quais seus olhos deixavam as cavidades e ascendiam para flutuar sobre sua cabeça presos apenas por seus ligamentos de dura-mater e então exibiam (os olhos), flutuando por sobre a cabeça do místico, movimentos rotatórios rítmicos estilizados que testemunhas ocidentais descreveram como algo que evocava Shivas dançantes com quatro rostos, serpentes encantadas, hélices genéticas entrelaçadas, as órbitas contrapontísticas em formato de 8 da Via Láctea e da galáxia de Andrômeda em torno uma da outra no perímetro do Grupo Local, ou todas as quatro coisas ao mesmo tempo.

E também jamais se estabeleceu com precisão por que esse menino se devotou a ser capaz de tocar com os lábios cada centímetro quadrado de seu próprio corpo. Não há nem mesmo a clareza de que ele concebesse seu objetivo como uma realização no sentido convencional. Ele não tinha assistido Acredite se Quiser e jamais havia sequer ouvido falar dos irmãos McWhorter. Certamente não se tratava de alguma proeza física ou de auto-evecção. Pelo menos isso foi comprovado. O menino não tinha qualquer desejo consciente de ‘transcender’ alguma coisa. Se alguém tivesse perguntado, o menino teria dito apenas que tinha decidido tocar com os lábios todo e qualquer micrômetro quadrado de seu próprio corpo individual. Ele não teria sido capaz de dizer mais que isso. Conceitos ou concepções de sua própria inacessibilidade física a si mesmo (como somos todos nós inacessíveis a nós mesmos e podemos, por exemplo, tocar com os lábios partes uns dos outros que sequer podemos começar a abordar, labialmente, em nós mesmos) ou da completa determinação do menino de aparentemente atravessar aquele véu de inacessibilidade (de ser de certa forma idiossincrática auto-contido e –suficiente – plenamente disponível para si próprio) estavam além do escopo de sua consciência. Ele era só uma criança. Seus lábios tocaram as aréolas superiores de seus mamilos esquerdo e direito no outono de seu décimo ano. Os lábios a essa altura eram marcadamente grandes e protrusivos. Parte de sua rotina diária eram monótonos exercícios de botão e barbante concebidos para promover a hipertrofia dos músculos orbiculares. A capacidade de estender os lábios em forma de bico em até, aos nove anos de idade, 11.4 centímetros, tinha muitas vezes sido a diferença entre atingir certas partes de seu tórax e não. Foram os músculos orbiculares, mais que qualquer destacado avanço na higiene vertebral, que permitiram que ele acessasse as regiões posteriores do escroto e porções substanciais das dobras entre o escroto e a região interna das coxas antes mesmo de chegar aos nove anos. Essas áreas tinham sido tocadas, marcadas nas cartas anatômicas de quatro lados dentro de seu caderno pessoal e depois lavadas para retirar a tinta e esquecidas. A tendência do menino era de esquecer cada ponto depois de o ter tocado com os lábios como se o estabelecimento de sua acessibilidade tornasse o ponto dali por diante irreal para ele e o ponto agora de certa forma existisse apenas na carta anatômica de quatro faces.

As regiões medianas e superiores de suas costas foram as primeiras grandes áreas de indisponibilidade radical, talvez impossível, a seus próprios lábios, apresentando desafios à flexibilidade e à disciplina que ocuparam uma grande percentagem de sua vida interior na quarta e na quinta séries, e adiante, é claro, como as quedas d’água no fim de um longo rio, ficavam as inconcebíveis perspectivas de alcançar a nuca, os 8 centímetros logo abaixo da ponta mentálica do queixo, a gálea da parte de trás e do topo da cabeça, a testa e a região zigomática, as orelhas, o nariz, os olhos, assim como a paradoxal Ding an sich dos seus próprios lábios, cujo acesso parecia ser como a idéia de pedir a uma lâmina que se cortasse. Esses pontos ocupavam um lugar quase-mítico no plano geral. O menino os reverenciava de forma a colocá-los quase fora do alcance das intenções conscientes. O menino não era por natureza preocupado (ao contrário de si próprio, seu pai pensava) mas a inacessibilidade desses últimos pontos parecia tão radicalmente titânica que era como se a sombra por eles projetada caísse sobre todo o lento progresso na direção da clavícula na frente e da curvatura lombar, por trás, que ocuparam seu décimo-segundo ano vivo, escurecendo todo o projeto. Sombras tenebrosas que o menino escolhia ver como algo que dava à empreitada uma dignidade sombria mais que qualquer espécie de futilidade ou páthos. Ele ainda não sabia como, mas acreditava, ao se aproximar da puberdade, que sua cabeça lhe pertenceria. Ele acharia uma forma de acessar-se todo no fim. Ele tinha nada que alguém jamais pudesse chamar de dúvida, por dentro.


David Foster Wallace

Originalmente, o conto não tem título, é um fragmento e foi assim chamado quando publicado para The New Yorker.

Encarnações de Crianças Queimadas

O papai estava do lado de fora da casa instalando uma porta para o inquilino quando ouviu os gritos da criança e a voz da mamãe vindo aguda entre eles. Ele sabia se mexer bem rápido e a varanda dos fundos dava para a cozinha e antes da porta de tela bater atrás dele o papai tinha abarcado a cena toda, a panela virada nas lajotas do chão na frente do fogão e o jato azul do queimador e no chão a poça de água fumegando ainda enquanto os seus muitos braços se estendiam, o bebê com a fralda frouxa permanecia rígido, de pé com vapor saindo do cabelo e o peito e os ombros rubros e os olhos revirados e a boca bem aberta e parecendo de alguma maneira separada dos sons que saíam, a mamãe com um joelho no chão com o pano de prato tocando inutilmente o bebê e acrescentando aos gritos dele os seus próprios, histérica a ponto de estar quase congelada. O joelho dela e as solinhas macias dos pés descalços estavam ainda na poça fumegante, e a primeira ação do papai foi pegar a criança por baixo dos braços e levantá-la dali e levá-la para a pia, de onde arremessou os pratos já batendo na torneira para deixar a água fria do poço correr sobre os pés do menino enquanto com as mãos em concha ele juntava e jogava ou arremessava mais água fria sobre a cabeça e os ombros e o peito, querendo primeiro ver o vapor parar de sair dele, a mamãe por cima do seu ombro invocando Deus até que ele a mandou buscar toalhas e gaze se é que eles tinham, o papai movendo-se rapidamente e muito bem e a sua mente de homem vazia de tudo que não fosse objetivo, ainda inconsciente de como se movia suavemente ou de que tinha parado de ouvir os gritos agudos porque ouvi-los o deixaria congelado e tornaria impossível o que tinha de ser feito para ajudar o seu próprio filho, cujos gritos eram regulares como a respiração e seguiam tão longos que já tinham se tornado uma coisa na cozinha, algo mais que ele tinha de contornar agilmente. A porta do lado do inquilino pendia torta apenas da dobradiça superior e se movia levemente com o vento, e um pássaro no carvalho do outro lado da rua parecia observar a porta com a cabeça posta de lado enquanto os gritos vinham ainda do lado de dentro. As piores queimaduras pareciam ser o braço e o ombro direitos, o vermelho do peito e da barriga estava desbotando em cor-de-rosa sob a água fria e as solas macias dos pés não tinham bolhas que o papai pudesse ver, mas o bebê ainda cerrava as mãozinhas e gritava a não ser talvez agora apenas por reflexo, por medo, o papai viria a saber mais tarde que tinha pensado que poderia ser isso, com o rostinho distendido e veias exíguas saltando nas têmporas e o papai continuava dizendo que ele estava aqui ele estava aqui, a adrenalina baixando e uma fúria contra a mamãe por permitir que essa coisa acontecesse apenas começando a se formar em fiapos no mais fundo da sua mente e ainda a horas de se ver expressa. Quando a mamãe voltou ele não tinha certeza se devia enrolar a criança em uma toalha ou não mas ele molhou a toalha e enrolou, bem apertada como um cueiro, e ergueu o seu bebê da pia e o pôs no canto da mesa da cozinha para acalmá-lo enquanto a mamãe tentava verificar a sola dos pés com uma mão oscilando na área da boca e pronunciando palavras sem rumo enquanto o papai se curvou e ficou cara a cara com a criança na borda axadrezada da mesa repetindo o fato de que ele estava aqui e tentando acalmar os gritos do bebê mas ainda a criança gritava sem fôlego, um som alto puro e brilhante que seria capaz de fazer parar o seu coração e os seus lábios pequenininhos e as gengivas tingidas agora com o azul claro de uma chama baixa o papai pensou, gritando como se quase ainda sofrendo sob a panela virada. Um minuto, dois assim que pareceram muito mais longos, com a mamãe ao lado do papai falando como um bebê diante do rosto da criança e a cotovia no ramo com a cabeça de lado e a dobradiça ficando com um risco branco por causa do peso da porta inclinada ate que o primeiro fiapo de vapor foi visto preguiçoso saindo da borda da toalha enrolada e os olhos dos pais se encontraram e se alargaram - a fralda, que quando eles abriram a toalha e reclinaram o seu menininho no pano axadrezado e soltaram os adesivos amolecidos e tentaram remover, resistiu um pouco com novos gritos agudos e estava quente, a fralda do seu bebê queimou as mãos dos dois e eles viram onde a água de verdade tinha caído e empoçado e ficado queimando o seu menininho o tempo todo enquanto ele gritava pedindo que eles ajudassem e eles não tinham, não tinham pensando nisso e quando eles a tiraram e viram o estado do que estava lá a mamãe disse o primeiro nome do Deus deles e agarrou a mesa para não perder o pé enquanto o papai se virou e esmurrou o ar da cozinha e amaldiçoou tanto a si próprio quanto ao mundo pelo que não seria a última vez enquanto o seu filho podia agora estar dormindo não fosse pelo ritmo da sua respiração e os minúsculos movimentos bruscos das mãos no ar que encimava o lugar onde estava deitado, mãos do tamanho do polegar de um adulto que tinham agarrado o polegar do papai no berço enquanto ele observava a boca do papai se mexer cantando, com a cabeça de lado e parecendo olhar através dele, bem longe, alguma coisa que os seus olhos faziam o papai sentir que o deixava solitário de uma maneira estranha. Se você nunca chorou e deseja, tenha um filho. Rasgue o peito e não sei que mais seja, uma criança e a música estalada que o papai ouve de novo como se a mulher do rádio estivesse quase ali com ele olhando para baixo vendo o que eles fizeram, apesar de que horas depois o que o papai vai ser mais incapaz de perdoar é o quanto ele queria um cigarro bem naquele momento enquanto eles colocavam na criança como podiam uma fralda de gaze e duas toalhas de mão cruzadas e papai o erguia como um recém nascido com o crânio na palma de uma das mãos e corria com ele para a caminhonete modificada e deixava borracha especial por todo o caminho até o centro da cidade e o pronto-socorro da clínica com a porta do inquilino aberta pendurada daquele jeito o dia inteiro até que a dobradiça cedeu mas aí ja era tarde demais, quando não parava e eles não conseguiam fazer parar a criança tinha aprendido a sair e observar todo o resto se desdobrar de um ponto lá no alto, e o que quer que se tenha perdido nunca a partir dali teria importância, e o corpo da criança se expandiu e caminhou pela terra e recebeu sua paga e viveu sua vida desocupado, coisa entre as coisas, a alma que era dele agora uma certa quantidade de vapor nos céus, caindo como a chuva e depois subindo, o sol para cima e para baixo como um ioiô.


David Foster Wallace
Este conto faz parte do livro Oblivion.

quarta-feira, 2 de março de 2011

Sala de Exibição - Francis Bacon, Parte III.3

Pinturas

Aqui vemos as pinturas mais conhecidas de Bacon, assim como as mais expressivas.


Sem Título, 1944

1946

Cabeça, 1949

Cabeça, 1949

Cabeça, 1949

1945-46
1945-46 Paisagem, 1945

Duas figuras na Grama, 1954

Duas figuras numa Sala, 1959

Estudo de um Nu, 1952-53

Cabeça de um Papa Gritando, 1952

Velazquez I, 1950

Esfinge, 1952

Corujas, 1956

Homem de Azul, 1954

Homem carregando uma Criança, 1956

Inocente, 1953

Figura com Carne, 1954
Este talvez seja um de seus quadros mais famosos; apereceu no filme Batman de Tim Burton onde o Coringa contempla a obra. (é também meu quadro favorito dele)

Figura em uma Gaiola, 1950

Figura em uma Paisagem, 1956

Elefante Passeando num Rio, 1952

Cão, 1952

Nu agachado em uma Barra, 1952

Chimpanzé, 1955

Estudo do Corpo Humano, 1967
Duas figuras deitadas numa cama, 1968

Fragmento de Três figunas numa sala, 1964

Papa Vermelho, 1971

Inocente X, 1962



























Inocente X, 1964

Papa VI, 1961

Figura Sentada, 1961

Mulher Reclinada, 1961

Papa e um Chimpanzé, 1962

Figura deitada com uma seringa, 1963

Figura Virando, 1962

Retrato de um Anão, 1975

Fragmento do estudo de figuras em Camas, 1972

Três figuras e um Retrato, 1975

Figura Estática, 1977

Corpo humano, fragmento de um Tríptico, 1970

Segunda versão da pintura de 1946, 1971

Mulher nua no vão da porta, 1972

Duna de Areia, 1983

Duna de Areia, 1981

1985

Carcaça de carne e Ave de rapina, 1980

Jato de Água, 1988

Sangue no Chão, 1986