sábado, 29 de janeiro de 2011

O Embrião Caça em Segredo

Taiji ga mitsuryô soru toki, 1966.
Dirigido por Kôji Wakamatsu, com Hatsuo Yamaya e Miharu Shima.

Palavras-chave: violência, passado




"Deixe o dia perecer onde nasci!
Por que não morri no útero?
Por que eu não saí do útero e me extingui?”


O cinema japonês é muito conhecido pelos seus temas fortes e sua ousadia em criar situações horríveis e desesperadoras. Desde os temas abordados, que envolvem estupro, violência, sadismo à crueza das cenas. Mas o que torna o cinema japonês dos anos cinqüenta, sessenta e sessenta tão superiores (não sempre) ao cinema do resto do mundo é a profundidade de seus temas e os personagens neles envolvidos, sempre emotivamente afetados e psicologicamente abalados, com conflitos pesados e densos. O sexo é uma ferramenta também presente em diversos filmes e ele, assim como o choro de uma pessoa em um filme, é uma forma de expressar algo, desde o óbvio desejo carnal ao mais profundo consolo familiar, amizade, medo.

Em “Taiji ga mitsuryô soru toki”, o tema sobre violência é levado a um outro padrão. A violência aqui é dada pela loucura de um ser psicologicamente abalado por algo que o intriga e que o condena à vida que leva: o nascimento do ser, a ausência de significado para ele, o sofrimento de ter um filho, o sofrimento de perder a parceira para um outro ser. O medo aqui nos é apresentado como um soco no rosto: sentimos dor e raiva ao mesmo tempo, raiva até mesmo daquele que nos parece amigo. O personagem masculino manipula a mulher, aquela que o deseja carnalmente. Ele teme a natureza feminina e a julga, diz que ela é igual a todas outras mulheres: quer casar, morar junto e, o que mais o intriga, constituir família, ter filhos. Ele a ama, mas não quer gerar um filho, não quer que ela gere um filho, tem medo que isso aconteça. Solidão? Medo de ser ignorado? Medo de perder seu amor? Não, medo da existência vazia humana. Uma pessoa nasce em um corpo e é incapaz de exercer ações, é uma pessoa limitada e fica prisioneira então desta matéria e se conforma com isso.

Sua paixão doentia e seu medo o levam a aprisionar uma mulher que conhece em seu apartamento vazio e lá “tratá-la”. Agora que ela está loucamente, mesmo que no momento do desejo sexual, apaixonada por ele, e ele está apaixonado por ela, não há escapatória e, quando ele expõe seu pensamento a ela, já é tarde demais para soltá-la. Aos poucos ele a tortura e trata-a como uma “cadela”. “Cães são diferentes, sabem contar só até três. Se eles parem quatro filhotes e um é levado embora, eles não ligam porque sobraram três, mas se outro é levado e sobram dois, eles ficam bravos e desesperados. Mulheres como você são iguais a cadelas, elas sabem contar, mesmo sem saber dizer a diferença entre um e dois, dois a menos e acabou, mas se há somente um a menos, tudo está bem. É como no exército uma vez, era excitante reunir as tropas, alinhá-los da esquerda pra direita. No Sistema Nacional de Unidade, aquele que caiu pode ser deixado pra trás para morrer. E não haveria nada de errado com isso. Este é o racionalismo embutido nos nossos corações. Mas há algo irracional sobre isso te perseguindo desde o dia do seu nascimento: este corpo é sua maior irracionalidade. Por causa da sua pele, que não é nada além de um saco de merda, você chama pele de "natureza" e esquece o resto.” diz o homem num dos momentos mais reveladores da trama, logo no início. Deste momento em diante percebemos quais os planos e conhecemos sua mente perturbada, sua filosofia, mesmo que não errada ao todo, mas revoltada, extremamente revoltada, o que resulta na sua completa falta de razão.

O filme se desenvolve com apenas dois personagens, um homem e uma mulher, que estão em um carro se beijando. Eles vão para o apartamento do homem e lá eles se relacionam até então tomar conhecimento da natureza do homem. A mulher, uma pessoa comum, que vive uma vida comum, gosta dele, sonha com um futuro e, ao contrário do que ele pensava, ela o conhece, mesmo que pouco. O homem é uma pessoa estranha e misteriosa, mas vive uma vida comum. Quando ele percebe a natureza da mulher ele passa a querer mudá-la, então a torturando.

O apartamento é um embrião e os dois dentro dele são seres que se interrogam sobre a sua existência. O diretor, Kôji Wakamatsu trabalha magistralmente com o cenário e os personagens. Somos levados a observar na maior parte do tempo, o desenvolvimento dos acontecimentos por frestas e passagens da casa, como se estivéssemos dentro dela, mas distantes dos conflitos do casal e querendo observá-los em busca de algo profundo e que justifique seu início. O trabalho de iluminação e efeitos de imagem são perfeitos. Tudo parece escuro no presente enquanto o passado é mais claro e mais esclarecedor. O ambiente se torna um inferno claustrofóbico, um sofrimento sem fim para os personagens assim como para o expectador.

Os personagens são maduros e fortes. A violência presente envolve apenas o corpo. O homem chicoteia a mulher diversas vezes e as cenas são explícitas e revoltantes. Ela passa o filme quase sempre nua enquanto o homem se veste com longas e belas roupas ou então um terno e óculos escuros, com um ar de superioridade, mas que na verdade, de superior não presenciamos nada. O desfecho do filme se torna chocante e reconfortador, uma vitória talvez. Para reforçar o sentido de que os embriões são os personagens do filme, mais especificamente, o homem, o vemos em posição fetal em alguns momentos, nas partes mais marcantes.

Apesar de sua pouca duração, cerca de 72 minutos, o filme consegue desenvolver bem e consegue tudo o que um filme mais longo e tão profundo quanto conseguiria. É um filme maduro e forte, pesado pela sua carga emocional e até mesmo a estética, a violência. É também o tipo de filme que fará muitas pessoas o odiar, mas é algo interessante como cinema, se não funcionar como algo mais reflexivo. É também a prova de que, para fazer um cinema inteligente e profundo, nada mais necessário que um apartamento, dois atores competentes e um roteiro inspirado e inteligente.





Avaliação: 8,5/10
Por Pedro Ruback

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