quinta-feira, 3 de março de 2011

Enter the Void

Enter the Void, 2009.
Dirigido por Gaspar Noé, com Nathaniel Brown, Paz de la Huerta, Cyril Roy, Olly Alexander, Masato Tanno e Ed Spear.

Palavras-chave: drogas, morte, prostituição



Noé despirocou de vez. “Enter the Void” soa como um filme feito para o próprio diretor, cultuando e reutilizando as técnicas já usadas em “Irréversible”. Pelo visto diretor adorou seu estilo único e aqui fez um filme somente com este estilo. Para quem não conhece, em “Irréversible” (filme obrigatório), Noé trabalha com a câmera de forma única e original. É puramente nauseante, os momentos iniciais são de fazer passar mal e é aí que se encontra o atrativo do filme, mistura orgias homossexuais, um clima psicodélico e uma atmosfera pesadíssima com a câmera louca e cria-se um filme sensitivamente perturbador. A câmera gira, baila e dá cambalhotas, não foca em nada e, misturado com uma iluminação precária de boates, colorido e escuro, torna tudo estranho e realista, como quando sonhamos querer estar acordados, mas estamos com sono, então fechamos e abrimos os olhos com dificuldades, ou então a câmera está sob efeito de drogas pesadas e delirantes que lhe tira da realidade e lhe domina por completo tirando o controle de sua mente sobre seu corpo.


Aqui, em “Enter the Void”, Noé, nas primeiras meia hora de filme, ele reinventa o cinema. Vemos tudo da perspectiva do protagonista, de seus olhos (como Guy Ritchie fez certa vez num curta de futebol). A tela pisca de acordo com o piscar do personagem. Vemos suas mãos, vemo-o usar drogas e vemos o seu delírio pelos seus olhos. O teto se transformando em algo sem sentido, cores fortes e iluminadas, vivas num plano de fundo noturno, o esforço para não entrar novamente na “viagem” que a droga causa. Noé quer que sintamos a angústia e o “prazer” do personagem no momento de suas alucinações. O enredo se desenrola de forma única, pode até não ser, mas temos a sensação de a primeira meia hora de filme quase não ter cortes, mas, por causa do piscar do personagem ou sua introdução num fundo negro pode ser que haja cortes. Noé explora ao máximo e dá a sensação de um clima ininterrupto de delírio e observação.

Oscar (Nathaniel Brown) mora com sua irmã, Linda (Paz de la Huerta) em Tóquio. Oscar é traficante e usuário de drogas (apesar de não aceitar os fatos) e Linda é uma prostituta e striper em uma casa noturna. No início vemos os dois conversando e em seguida ela indo para o trabalho. Ele usa drogas e recebe o telefonema de um amigo para que leve para ele droga. Tentando se controlar pelo efeito alucinógeno, começa a se aprontar e, quando sai do apartamento encontra seu amigo, Alex (Cyril Roy), que queria ver sua irmã e aceita o convite de Oscar para irem até o encontro do cliente e em seguida seguirem para a boate. Os dois, durante o caminho, conversam sobre um livro que Alex emprestara sobre a morte e a vida após a morte. Nele, a pessoa morre e seu espírito se separa do corpo. O indivíduo vê sua vida passar pelos seus olhos e em fim morre. O espírito flutua e vaga pela cidade podendo ver tudo, porém, incapaz de interagir com os vivos. Por fim ele encontraria onde gostaria de reencarnar e reencarnaria num corpo novo. E é nisso que se baseia cerca de duas horas de filme.


Oscar e Alex chegam ao local combinado com o cliente, porém Alex resolve se manter longe do tráfico do amigo e fica do lado de fora esperando. Oscar entra no lugar e vê o tal cliente, seu amigo Bruno (Ed Spear). Ele está agitado e pede desculpas. Logo a polícia entra, Oscar corre para o banheiro e é baleado, morrendo então. Daí para frente, vemos todos os processos descritos no livro ocorrerem. Oscar vê sua vida passar aos seus olhos e vaga pela cidade observando tudo e todos, ou melhor, sua irmã e seus amigos e os envolvidos com sua morte.

Noé não poupa um segundo. Todo o filme, completamente é passado aos olhos de Oscar, em primeira pessoa. Depois de seu espírito solto do corpo, ele flutua pela Tóquio em longas tomadas, algumas rápidas, passando por diversos apartamentos, e presenciando o desenrolar e as conseqüências com cada um. Mas é impressionante como Noé consegue repetir a fórmula de “Irréversible”. O filme começa extremamente movimentado, de forma genial e envolvente, depois cai numa monotonia incrível, ainda que novo para o cinema, mas demasiadamente explorado. Só que, o que torna “Irréversible” um filme mais ágil é tudo ser otimamente explorado cerca de noventa minutos, ou seja, uma hora e meia, enquanto “Enter the Void” são grandes cento e sessenta minutos, ou seja, duas horas e quarenta.


De qualquer forma, a duração não estraga o que Noé propõe, talvez torne mais cansativo, mas é necessário. Como tudo é em tempo real e há a necessidade de um aprofundamento em relação ao desenvolvimento dos personagens e do protagonista, Noé não se preocupa com a duração extensa do filme, apenas mostra o que quer e o que deve ser mostrado. Descobrimos todos os detalhes da vida de Oscar e de Linda, desde o acidente que levou à morte violenta de seus pais presenciados por eles enquanto crianças, ao o que trouxe Linda, que estava separada de Oscar durante muito tempo, para Tóquio.

Vale ressaltar o que já é ressaltado por qualquer um que viu o filme: é muito colorido e vibrante. Tudo é colorido, tudo é vivo e estranhamente solitário. Desde os créditos iniciais (costumeiramente diferente nos filmes de Noé), onde não conseguimos ler quase nada, não sabemos quem são os atores, os patrocinadores, produtores e se bobeasse, nem o diretor. É uma explosão eletrônica e de cores, já dava para ter uma idéia, logo de início de como seria o filme em seu desenrolar. As cores piscam como uma caixa de som vibra, é como estar num show eletrônico.

Noé também é conhecido por seus filmes conterem um conteúdo sexual forte, de todas as formas, mas aqui ele apresentado de forma banal e real da indústria de prostituição que existe em qualquer grande cidade. O conformismo de Oscar ao ver sua irmã se expor e ao saber que ela transa com qualquer um (principalmente com o dono do local, Mario, interpretado pelo japonês Mesato Tanno) é de assustar. O mundo das drogas, a iniciação de um jovem “perdido”, o envolvimento com outras pessoas, a homossexualidade, etc., tudo é explorado aqui de forma bastante ampla e sem nenhum tipo de moralismo ou forma de censura. O que não vemos aqui é a extrema violência presente em seus filmes anteriores, mas vemos o sexo de uma forma menos impactante, mas mais denso, mais presente que nunca.

Noé passou que fez o filme que queria fazer, misturando os temas que mais mostrou gostar em sua carreira com as técnicas próprias, o estilo próprio, o visual “alterado” (uma Tóquio sob efeito de drogas, com certeza). É um filme de Noé para Noé, e de Noé para seus fãs. Com certeza não é um filme para todos. É nauseante, porém, é algo digerível.






Avaliação: 7/10

Por Pedro Ruback

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