domingo, 3 de abril de 2011

Os Viciosos

The Addiction, 1995.
Dirigido por Abel Ferrara, com Lili Taylor, Annabella Sciorra, Paul Calderon e Christopher Walken.

Palavras-chave: drogas, metáfora

Quando nós pensamos em vício, vem logo à nossa mente algo corriqueiro que hoje está injustamente banalizado, tanto no gosto popular quanto na sua compreensão vergonhosa. Ouvimos dos mais diversos comentários, principalmente do público jovem ao público jovem. Quem é jovem e vive no meio de outros, como em escolas, sabe. Ultimamente surgiu uma explosão de ignorância no cinema. Incrível como foi repentino e tão rápido. Não demorava a, em um ano, tudo estar contaminado por essa maldição. Vampiros. Não critico a mitologia vampírica em si, até porque eu sou um grande admirador, mas como ela está sendo usada ultimamente na mídia. É tão banal e patético que levanta a nós uma reflexão do que seria mais adequado, de qual seria o real significado e de como já foi explorado essa lenda – com exceção do incrível e maduro “Låt Den Rätte Komma In” (Deixa ela entrar, aqui no Brasil).

Bom, vampiros são seres míticos, criados pelo ser humano há mais de um século com o propósito de assustar em contos complexos e sombrios que hoje merece o devido respeito. Conforme a sociedade foi evoluindo, o vampiro tomou um significado mais profundo e complexo além daquele ser que chupa sangue e assusta damas indefesas e aos poucos pudemos entender e captar melhor a mensagem “oculta”. O vampiro é uma metáfora do vício. Notem, o vampiro precisa, quase que insaciavelmente de se alimentar do sangue de seres vivos, pois estão “mortos” e não há sangue em seus corpos. Ele ignora o meio social e se reclusa em um lugar para si ou no meio de outros como ele desenvolvendo um comportamento anti-social levando ao julgamento pelas pessoas normais que não os compreende. O vampiro vive somente para seu vício e não encontra cura para tal problema, sendo que, quando consegue controlar-se, fica marcado profundamente pelas chagas de seu passado.

O que “The Addiction” faz é dar um sentido para a transformação, justificar e metaforizar o vício. O ser que transforma dá escolhas e o único meio de não ser “infectado” ou “dominado” pela maldição é você querendo realmente, tendo forças e coragem real para fazê-lo. O mesmo acontece com as drogas. Não adianta ser fraco e tentar resistir sem firmeza, você precisa ter atitude e força para afastá-la de si, caso contrário, você será dominado por ela.

“The Addiction” conta a história de Kathleen, uma estudante de filosofia que, depois de um seminário, ela é atacada por uma mulher. Essa mulher a leva para um beco escuro e dá uma escolha a ela: “Olhe para mim e fale que eu vou embora! Não me peça, mande”, mas a fraqueza e medo de Kathleen fazem com que esta mulher lhe ataque, a morda no pescoço. Como conseqüência, mudanças estranhas acontecem consigo e Kathleen passa a necessitar de algo que ela não imaginava um dia poder lidar: sangue de outras pessoas, pessoas queridas ou apenas desconhecidas, não importa, ela precisa se alimentar, se sustentar. À medida que o filme se desenvolve, vemos sua falta de apetite por comida, as mudanças no corpo e as atitudes, a mudança de personalidade e os sacrifícios seguidos de alguns arrependimentos ou apenas estranhezas naturais.

O filme mescla a mais pura filosofia, assuntos e citações, com imagens e estudos focados em fotos das conseqüências do holocausto, tema pelo qual a personagem de Taylor estuda. Há uma ligação mórbida entre as situações, o prazer misturado com a morbidez das imagens, o vício conectado à atmosfera dos estudos e a aura de insanidade presente é reforçada em cada momento. Não menos importante, a câmera ousada e atmosférica de Ferrara somado à fotografia preto e branco permanente só colabora para o espetáculo até o ápice, os momentos finais.

Abel Ferrara é um grande diretor que tem como plano de fundo de seus filmes geralmente a paisagem urbana decadente e cotidiana, como em “Bad Lieutenant” e “R X’mas”. Aqui ele continua a explorar isso. Interessante e mais do que inteligente é perceber que o termo “vampiro” não é mencionado uma vez sequer durante toda a projeção, por mais que sejam visíveis as características, o que reforça mais ainda o tom simbólico. O roteiro é do colaborador costumeiro de Abel Ferrara, Nicholas St. John e o filme também conta com a participação de Christopher Walken, também conhecido de seus filmes.

O vampiro também metafora com o desejo de juventude e vida eterna do ser humano como explorado no filme “The Hunger”, outro filme filosófico onde o termo vampiro não é mencionado para reforçar a proposta. Nos dois filmes, essa jogada foi bem colocada, pois, se o termo fosse dito, soaria completamente forçado, o que viria a ser um chamativo para o público comercial e afastaria qualquer tipo de reflexão sobre o tema, pois estaria jogado na nossa face que é tudo irreal.

De resto, fica ter-nos de ver os grandes (e com conteúdo) filmes mais antigos, enquanto o cinema atual não evolui e só regride (ok, temos de ressaltar mais uma vez que a nossa esperança está nas mãos dos europeus).





Avaliação: 9,5/10

Por Pedro Ruback

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