quarta-feira, 15 de junho de 2011

Angst

Angst (1983)
Dirigido por Gerald Kargl, com Erwin Leder, Silvia Rabenreither, Edith Rosset, Rudolf Götz, Renate Kastelik e Robert Hunger-Bühler.


Palavras-chave: psicopata



Angst é a prova de que cinema pode muito bem tratar de temas reais com realismo, sem exageros e sem afetações comuns da indústria cinematográfica, não apenas de uma indústria, mas do meio, um meio que, de certa forma, limita aqueles que são influenciados por outros diretores e têm certa dificuldade de dar toques originais à suas obras por meio do padrão já sugerido na história da arte cinematográfica. Ainda que haja exemplos fantásticos do cinema original em termos de variações estilísticas e variações no comportamento da câmera sobre o cenário e os atores, como Gaspar Noé ("Irréversible", 2004) e Béla Tarr ("Sátántangó", 1994), é difícil encontrarmos uma fusão da proposta do realismo na tela sem usar de táticas mais cruas e sem certo diferencial (o que não quer dizer que sejam ruins, muito pelo contrário) como a câmera estática ou distante da ação como em diversos casos, usando pouca edição para chocar em cenas chaves de filmes que propões realismo sobre aspectos como violência e sexo. Gerald Kargl consegue fundir o chocante e realista com tomadas frenéticas que não dão descanso, muitas vezes com edições rápidas, característica que geralmente atrapalha a experiência. Kargl consegue utilizar a edição de forma positiva, sem exageros e aposta com tudo na proposta do filme, que é reforçada pela sua maestria com a câmera. A filmagem de Kargl é um caso brilhante de originalidade e libertação, sem fronteiras. Sem medo, o diretor abusa de ângulos altos e baixos, distantes, aéreos e pertos. Foge dos padrões, evita o máximo a câmera no nível do ator, refletindo, conforme o filme decorre, o estado do protagonista. Nesse caso, o estado mental de um psicopata.

O filme conta a história de um homem que acaba de ser solto da cadeia onde passou quatro anos preso por conta de um assassinato. Ele sai da prisão, se vê na rua, andando a esmo entre carros e indo parar em uma lanchonete. O homem narra sua vida em off enquanto caminha com olhares assustados pelas ruas e olha para as pessoas de forma analítica, pensando e tentando se controlar. Os quatro anos em que esteve preso só fez sua loucura acumular e ele, conscientemente, aguarda pelo momento em que não terá controle de seu corpo e mente e acabará “fazendo de novo”. As moças jovens e belas no balcão, a balconista, o homem lendo jornal, ele não consegue aqui. Levanta-se e continua andando pela cidade, entra num taxi. Ele teme e torce ao mesmo momento pela hora em que ele se aliviará e sentirá, em fim, prazer. Ele tenta matar a motorista do taxi, mas ela logo percebe suas intenções doentias. Ele não tem coragem de prosseguir, foge e acaba encontrando uma casa isolada. Uma enorme casa, sem mobílias. O lugar perfeito. Não demora a que quem mora lá apareça.



Apesar do grande desgaste que o cinema, tanto comercial quanto o não-comercial, exerceu sobre o tema “psicopata”, esse filme mostra que o tema tem muito sobre o que falar e não necessariamente muito o que mostrar. Os psicopatas já foram explorados aos montes, suas motivações, suas perturbações, o que os levou a ser o que são, etc, etc, e conseguiram não tem muita relevância, principalmente no gênero em que se explora mais este tema e estes personagens: o terror. Mas poucas vezes debateu ou então estudou a mentalidade deles. Uma pessoa psicopata é uma pessoa doente, na maioria das vezes não é necessário um trauma passado para torná-las psicopatas, basta apenas uma pré-disposição mental para tal coisa, um impulso interior incontrolável, um descontrole emocional. Psicopatas, assim como viciados em drogas ou pedófilos, não têm controle sobre seus impulsos, levando-os a cometer atos que algumas vezes eles mesmos não aprovam. O que não é o caso do psicopata sem nome desse filme.

Fica claro sua falta de estrutura intelectual e emocional para ele entender que seus atos são coisas danosas e ruins que ele deve evitar. Aqui, o psicopata, por mais que sacie o prazer que deseja, não quer parar, pois a sensação de alegria e paz o envolve de tal forma que ele não se arrepende dos atos cometidos, o levando a querer mais e mais, o que, além de ser uma doença, é muito mais poderoso, se torna uma obsessão. À medida que ele conta sua história em off, nós começamos a conhecê-lo, mesmo que tudo seja muito raso e o foco seja mais em seu estado mental durante seus atos. Ele narra suas sensações enquanto corre, mata, observa pessoas, etc. Isso é o básico do filme, é o que está claro. O diretor então não se limita em criar um personagem completo, ele quer que todos os personagens sejam personagens completos, mesmo que tudo seja narrado sob a visão do psicopata. Quando o protagonista ataca os moradores da casa, logo vemos como cada um que vive ali é, e nada fica muito claro. Percebemos logo que não é exatamente uma família normal. Um homem deficiente mental e físico, uma senhora velha e uma jovem garota. Uma cena em particular chama muito a atenção: quando o psicopata agarra essa garota, ela se excita. Notamos então que não há clichês, o próprio protagonista se questiona sobre os impulsos da jovem. Fica no ar então. O fato de ela não gritar nem reclamar ou buscar socorro deriva de quê? Quem é aquela jovem? Quem são aquelas pessoas? Grande parte do filme foca apenas nessa seqüência onde o psicopata ataca a família e já é o bastante para conseguirmos estudar cada um deles de forma única.



Erwin Leder, o ator que interpreta o psicopata, está brilhante, todas as expressões, de felicidade, medo, raiva, excitação são magnificamente executadas pelo ator. O nervosismo desconfortante que predomina durante toda a projeção, o ritmo acelerado. O filme pode soar corrido, mas não é, reflete, já que segue o psicopata o tempo todo, todas as emoções do personagem, principalmente euforia e de busca pelo prazer desesperadamente e de forma que ele possa ser prolongado e melhor sentido, num pequeno momento de sua vida. Tudo isso faz com que o filme seja mais sufocante, angustiante.

O filme é baseado em fatos reais. O real autor dos assassinatos se chama Werner Kniesek. As narrações em off são citações de reais psicopatas, como a de Peter Kürten, conhecido como Vampiro de Dusseldorf.

Mesmo que sua temática aborde assassinatos em série e haja um horror óbvio no meio de toda a película, “Angst” pode ser classificado como drama e não invoca o horror por meio de exageros, ainda que seja tudo muito cru. É um filme maduro, uma aula de como dirigir um filme fugindo dos padrões, um marco. Excelente filme e, mesmo o diretor tendo dirigido apenas este longa, seu filme já alcança o status de obra-prima, principalmente por abordar o tema de forma humana e lógica.





Avaliação: 9/10



Por Pedro Ruback

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